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SERIA UM BERBERE O PAI DA FAROFA?

Recentemente li um artigo em um blog referenciando Câmara Cascudo* pela história da origem do cuscuz no Brasil. Infelizmente o autor cita um livro que não tenho, ainda, entretanto existem algumas considerações que acho validas nessa discussão.

 

Segundo cita, o nome original deriva do árabe e estaria relacionado aos mouros (mauritanos, mauros, mouriscos ou sarracenos) sendo um de seus pratos tradicionais. Entretanto a palavra “alcuzcuz” que aparece em um livro de receitas do século XIII, a referência mais antiga da receita, é de origem berbere. Os berberes e árabes são a base étnica dos povos que conhecemos como mouros, um termo extremamente amplo e abrange povos do Norte da África, setentrional, banhadas em sua maioria pelo Mediterrâneo (a exceção do Saara Ocidental e de boa parte do Marrocos). Assim, acredito que se considerarmos a origem moura fica tudo certo. Dito isso, temos um país dentre as terras setentrionais africanas em especial donde provavelmente vem a referência mais popular que temos hoje, o Marrocos.

 

Conhecido pelos brasileiros como “Couscous Marroquino” esse prato é extremamente tradicional no Marrocos e Argélia, considerado um prato nacional na Turquia, e foi eleito o terceiro prato mais popular da França em 2011.

 

Em sua versão tradicional é preparado a base de sêmola (a moagem incompleta) de trigo, onde essa farinha grossa é misturada com um pouco de água para formar pequenas bolinhas que são cozidas no vapor e servidas com caldo de vegetais, carne ou peixe.

 

Esse prato já era popular na Península Ibérica no séc. XVI e veio para o Brasil nas naus portuguesas. Chegando por aqui, os portugueses tiveram contato com a culinária indígena, que utilizava as farinhas de mandioca e milho em preparos que lembravam o couscous.

 

O choque de culturas proporcionou alguns amálgamas culinários, de onde acabou surgindo preparos que podem ter influência a influência berbere. Por aqui a sêmola foi substituída pela farinha de mandioca no norte, nordeste e norte do sudeste e pela farinha de milho no Sudeste. No Sudeste esse preparo ficou cada vez mais “molhado” e temperado, misturado a carnes, ovos e legumes, e hidratado com um molho diretamente na panela, normalmente de tomate, ao ponto de ser enformado em assadeira ou forma de bolo e servido em pedaços. Nas regiões onde se usou a mandioca acabou ganhando a adição do leite de coco e na maioria dos preparos continuou sendo cozido no vapor, enformados com o aspecto de um bolo, e quando soltos e misturado a ingredientes diversos ganha um aspecto mais bagunçado. E é justamente dessa bagunça, do excesso de ingredientes e de uma certa praticidade que acredito ter surgido a farofa.

 

A farofa a meu ver nada mais é do que uma adaptação do couscous mouro, que uma vez que é feita com qualquer tipo de farinha de milho ou mandioca ganhou um aspecto um pouco diferente, mais seco na maioria das vezes, sem a haja a necessidade de se hidratar as farinhas, uma forma mais prática e rápida de preparo.

 

Esta sim acredito ter se tornado uma representante digna de nossa identidade. Ela não tem receita, pode ser preparada com qualquer quantidade ou variedade ingredientes, de insetos a frutos do mar, acompanha os mais diversos pratos, pode também ser consumida como prato principal, e é encontrada em absolutamente todos os cantos do país. Esta plasticidade permite infinitas possibilidades de se criar maravilhas gustativas como estes básicos ingredientes. Sendo assim, tendo farinha, tem farofa. E parafraseando um chefe que não em lembro o nome (mas vou descobrir) – Farofa é mais que um prato tradicional, é um estilo de vida.

 

* Historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898 —1986) foi um dos célebres pesquisadores da cultura brasileira. O livro referenciado no blog é “História da Alimentação no Brasil”.

 

 

André Guilherme

(18/02 à 28/03/2019)

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