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O 13º OVO

Eu, perante minha inquietação usual, acredito ser necessário que uma pessoa cozinhe, mesmo que uma simples refeição, pelo menos uma vez na vida. Caso o faça, sugiro o pequeno desafio de que neste momento único de sua existência esteja simplesmente atenta ao processo. Atente para questões simples como a origem dos alimentos e temperos que está utilizando [por quem e onde foram plantados, qual o caminho percorrido para chegar ao estabelecimento onde foi comprado e dali para sua casa, seu custo] ao precioso tempo e energia gasta no preparo da refeição, a quem foi destinada e no ato de comer, podendo, mesmo que pouco provável, atentar para a quantidade de resíduo gerado em seu preparo e seu destino, e suas sobras, do prato ao lixo, da panela a geladeira.

 

Vejo isso como uma forma prática de refletir a respeito de um ato, o de cozinha, por muitos banalizado e desconectado de toda a gama de eventos que o suporta, mas que pode ter implicações em toda a cadeia produtiva de alimentos. Sempre que penso no assunto, sempre que cozinho na verdade, me lembro do trecho de um livro* de Gabrielle Hamilton, que me deixou particularmente tocado e que transcrevo abaixo.

 

“André Soltner pegou um ovo e quebou-o na beirada do balcão. Com as duas mãos, dividiu as duas partes e depositou o conteúdo numa tigela. Depois passou os polegares pelo interior de cada metade da casca e raspou a clara que tende a ficar grudada na membrana, até ter limpado completamente o ovo. – Quando era pequeno, era assim que minha mãe conseguia treze ovos de uma dúzia – disse. Então, jogou a casca no lixo.”

 

Hoje, as perdas e desperdícios de alimentos, geram 3.300 milhões de toneladas CO2, utilizam 198 milhões de hectares de terras férteis, consomem 24% de toda água utilizada na agricultura e cerca de 27 milhões de toneladas de fertilizantes.

 

Sim, este é um problema que afeta toda a cadeia agroalimentar, das perdas presentes nas etapas de cultivo, colheita, armazenamento, transporte, acondicionamento e venda, aos desperdícios que ocorrem após a compra pelo consumidor final. Mas o que realmente importa é que as estimativas são de que 1/3 de todo alimento produzido mundialmente, e que deveriam ser utilizados para aplacar a fome de muitos, deixam de ser aproveitados para o consumo humano.

 

Assim não podemos simplesmente ignorar esse fato, principalmente em relação a etapa que temos mais controle, o desperdício pós consumo, que ocorre em nossas casas.

 

Ah, o dono da omelete citado no trecho do livro, André Soltner, é um renomado chef francês, e era então (e acredito que ainda seja) professor do French Culinary Institute, do International Culinary Center em Nova York.

 

 

* Sangue, Ossos & Manteiga, A EDUCAÇÃO INVOLUNTÁRIA DE UMA CHEF RELUTANTE (2011)

de Gabrielle Hamilton

 

 

André Guilherme

(18/02 à 28/03/2019)

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