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INVERSÃO DE SABORES

É complicado falar isso em voz alta, mas nada me atrai mais a atenção e ocupa tanto minha mente quanto a questão alimentar. Nutro um interesse constante pelas mais diversas temáticas ligadas a alimentação em geral, de meras questões gastronômicas como elaborar ou provar nova receita e comprar um novo ingrediente ou tempero, ao fato de me debruçar sobre a questão do potencial da biodiversidade nativa no fortalecimento da segurança alimentar e nutricional, passando pela elaboração de cursos de jardins comestíveis para escolas.

 

Apesar de poder navegar por aspectos práticos ligados a modelos sustentáveis de produção, distribuição e acesso a alimentos seguros e de qualidade como forma de combate a fome e promoção da saúde da população, o tema constante a que me atenho sempre me parece menos nobre e superficial. Atualmente sob o efeito da convergência midiática, este importante tema foi transformado em algo pífio, abordado na grande maioria das vezes de forma superficial e desconectado.

 

Assim é provável que essa visão, que possivelmente eu compartilhe com poucos, me faça sentir envergonhado em relação a minha paixão, mas talvez afinal de contas não deva. Digo isso pois acredito que o fato de se discutir a respeito de questões alimentares pode trazer a tona o interesse de outros pelo tema e por suas questões mais urgentes. Podemos a partir de um gancho epicurista, hedonista ou savarinista(1) e introduzir temáticas transversais redirecionando parte dessa energia a diferentes necessidades ou práticas.

 

A passividade aparente de textos como este pode levar reflexões, conversas, controvérsias, questionamentos e ações variadas que podem promover um aprendizado ativo e um olhar prático sobre o tema.

 

Por exemplo, o estímulo ao aparentemente simples ato de cozinhar e servir pode nos colocar diretamente em contato com questões relacionadas ao desperdício de alimentos, disposição e reaproveitamento de resíduo. A inocente divulgação de uma receita com ingredientes regionais ou nativos pode nos levar a discussão a sobre a biodiversidade nacional e preservação ambiental. Curiosamente dois exemplos ligados a questões sobre políticas públicas.

 

Assim sendo deve nos bastar a reflexão, a abordagem ou a intenção correta para não cair vítima de modismos midiáticos.

 

 

(1) - [Referente a Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755/1826), advogado, político e cozinheiro francês que via na Gastronomia uma ciência potencial, tendo como base o conhecimento racional e a reflexão de seus efeitos sobre condição humana. Autor de Fisiologia do Gosto (1825)].

 

 

André Guilherme

(18/02 à 28/03/2019)

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