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UM SOTAQUE LOCAL

Ainda pouco utilizada no Brasil, e quando dita pouco compreendida, a palavra “terroir” é associada quase que exclusivamente a indústria de vinhos, e faz referência a sua qualidade e suas características de origem. Na França o conceito de terroir é a base do sistema de denominação de origem de vinhos, Appellation D'origine Contrôlée (AOC), equivalente à Denominação de Origem Controlada (DOC) utilizada em Portugal.

 

Em meu velho e surrado dicionário de francês a palavra terroir aparece como sendo um substantivo masculino (s.m.) referente a terra ou terreno, e figurativamente as – qualidades e defeitos da gente da sua terra. Mas afinal de contas a que se refere este termo?

 

Dentre as diversas definições para o termo a que me pareceu mais sintética foi “Terroir é o conjunto de todos os fatores ambientais que afetam o fenótipo de produtos de origem vegetal e animal, incluindo contextos ambientais únicos, práticas agrícolas e os habitats de crescimento específicos de cada cultura”.

 

Dessa forma ao falarmos de terroir temos que considerar um local ou região específica onde o conjunto de característica físicas, influências naturais e antrópicas impactam de maneira positiva determinada produção ou produto. Em resumo, terroir é o DNA de um produto de qualidade.

Além do vinho, existem uma série de culturas agrícolas, normalmente dedicadas a produções em pequena e média escala, que em função de suas particularidades tem seu terroir estudado, como por exemplo café, tabaco, chocolate, pimenta, lúpulo, agave, tomate, trigo, xarope de bordo, chá e cannabis.

 

Esse é um conceito que pode ser aplicado a qualquer tipo de produto agropecuário. O sucesso específico de uma espécie de planta, associado a condições particulares de solo, clima e trato cultural de um localidade garante esse diferencial. A característica pode ser o maior teor de açucar em uma fruta, uma coloração diferenciada, seu tamanho, o grau de ardencia da Escala de Scoville de um Capsicum, a qualidade do leite ou até mesmo um fungo específico pode ser um fator diferencial de qualidade, que se identificado e caracaterizado adequadamente pode levar a determinação de um novo terroir para um produto específico.

 

No Brasil temos diversos exemplos que poderiam ser explorados a partir desses princípios, das infinitas variedades dos queijos mineiros e paulistas associados aos mais diversas matrizes, climas e paisagens, do cacau das matas bahianas, das diversas espécies de mandioca espalhadas de norte a sul do pais, das muitas sementes criolas restritas a pequenas comunidades, dos arrozes do vale do paraíba as bananas do vale do ribeira. Se ainda formos colocar na balança nossa diversidade alimentar nativa, quase nada explorada, nesse Brasil tem terroir que não acaba mais.

 

Esse tipo de abordagem é uma forma de preservar ingredientes e processos, agregando valor ao produto final. Ao demonstrar que determinadas qualidades apresentadas por um produto dependem de condições específicas bióticas, físicas e socioambientais, preserva-se o meio ambientes com seus recursos naturais mais diversos, a paisagem em suas características diversas e a história das populações animais, vegetais e humanas envolvidas. Mais do que um conceito de mercado pode ser tornar uma ferramenta de conservação.

 

Assim sempre que você perceber um diferencial em um produto saiba que provavelmente há um “sotaque” bem particular associado a ele, um terroir que o faz único.

 

 

André Guilherme

(18/02 à 28/03/2019)

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contato@andreguilherme.com

 

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