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OS TROPEÇOS NO EXCESSO DE OPORTUNIDADES

Recentemente me despertou a atenção um post compartilhado nas redes sociais que trazia como título “Colômbia o Paraíso das Frutas”. Curioso, fui acessar o link que me levou a um trecho de um episódio do Globo Repórter exibido em 2017 que falava da grade variedade de frutas do país.

O vídeo traz como um dos destaques o mercado de Paloquemao em Bogotá onde a repórter embarca no “El tour de la fruta” (1), uma visita guiada onde você pode conhecer a diversidade de frutas da Colômbia e provar algumas delas.

 

Durante o tour, em um mercado com 45 diferentes espécies de frutas, entre nativas e exóticas, a guia apresenta e oferece a degustação algumas frutas nativas, e se vangloria da Colômbia possuir uma diversidade de frutas “maior que o Brasil”, atribuindo o fato as diferentes altitudes e ao clima diverso.

 

Bom, eu, que já estava incomodado com o título da reportagem me senti perplexo com “minha ignorância”. Estupefato com tal informação não pude deixar de pensar, como é que um biólogo e cozinheiro, com experiência e razoável conhecimento da biodiversidade nativa e da cultura gastronômica brasileira, não tem uma boa resposta para isso?

 

Ecoava na minha mente as frases da repórter “algo que só poderia acontecer na Colômbia, um tour de frutas pelo mercado” e “não é surpresa que o país seja chamado de o paraíso das frutas”. Não conhecia os dados corretos de nossa biodiversidade de frutíferas comestíveis, mas acreditava piamente que guia do mercado estava no mínimo equivocada.

 

De memória, pude lembrar de algumas frutas nativas de minha infância, Pitanga, Uvaia, Jabuticaba, Araçá, Maracujá, Jaracatiá, Caju, Araticum, Ingá e Jatobá, minha lista já tinha dez espécies. Outras tantas que julgava nativa já havia descoberto a tempos que eram exóticas, apesar de estarem arraigadas em nossos hábitos e quintais.

 

A pesquisa seguiu, e em resumo descobri que o que temos, distribuídos pelos biomas brasileiros (Floresta Amazônica, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Pampas e Mata Atlântica) são cerca de 550 diferentes espécies de frutas comestíveis, contrapondo cerca de 100 espécies nativas do chamado “Paraíso das Frutas”.

 

Enquanto tropeçamos no excesso de opções e oportunidades, um exemplar projeto de planejamento e marketing garantem um posicionamento sólido a um país, que apesar de ter um território equivalente ao estado do Pará, se coloca a frente do ranking do turismo internacional, com investimentos e crescimento percentuais superiores ao Brasil (World Travel & Tourism Council), e também da biodiversidade (de frutas neste caso) mesmo com menos de 1/5 das espécies que possuímos.

 

Provavelmente devido a uma baixa percepção de nossa identidade cultural a biodiversidade alimentar brasileira não está à mesa. Além disso muito se perdeu do conhecimento, das práticas e hábitos alimentares de um passado não muito distante, e assim não se compra o que não se conhece, não se planta o que não vende.

 

Assim hoje a representatividade comercial de nossa diversidade nativa é pequena. Nas bancas das feiras-livres ou nas prateleiras dos supermercados raramente encontramos dentre as frutas oferecidas mais de 10% de frutíferas nativas.

 

Entretanto, hoje temos mais de 270 espécies nativas que podem ser encontradas em viveiros comerciais (2) para plantio. Recentemente as discussões a respeito do potencial da biodiversidade alimentar nativa impulsionou diversas iniciativas ao redor do país. Nas regiões Sul (3) e Sudeste (4) podem ser encontrados diversos projetos visando o plantio e comercio de frutas nativas, muitos com o apoio técnico e estratégico da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que realiza um excelente trabalho na seleção de matrizes e desenvolvimento de modelos eficientes e sustentáveis de produção, além da apropriação de ingredientes nativos por empresas nacionais (5).

 

Publicada no mês de julho de 2018 uma nova Portaria Interministerial (nº 184) atualizou a lista espécies nativas da sociobiodiversidade brasileira com valor alimentício e trouxe 79 espécies frutíferas. As espécies serão incluídas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e na Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio).

 

Mais do que benefícios econômicos, a valorização das espécies alimentícias nativas pode contribuir para a preservação da biodiversidade, no fortalecimento da segurança alimentar e nutricional e na busca por novos modelos de agricultura sustentável.

 

Isso mostra que há um apelo crescente e uma demanda legítima pela valorização da biodiversidade nativa, e a possibilidade senão de reverter de pelo menos minimizar os potenciais desperdiçados.

 

(1) https://www.eltourdelafruta.com/

(2) http://www.colecionandofrutas.org/nativas.htm

(3) https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/12230535/frutas-nativas-sao-destaque-em-dois-projetos-de-sustentabilidade-da-biodiversidade-no-rs

#embrapa

(4)  http://institutoaua.org.br/frutas-da-mata-atlantica-ganham-agroindustria-artesanal-em-natividade-da-serra-sp/

(5) https://benfeitoria.com/canal/colorado

#osaborécego

 

 

André Guilherme

(18/02 à 28/03/2019)

As opiniões expostas pelo autor refletem, necessariamente, a opinião deste website.

contato@andreguilherme.com

 

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